27 junho 2007

O cidadão de amanhã.

Postei comentários e trechos de reportagem referentes a agressão feita a Sirlei Dias de Carvalho com a intenção de comentar dentro do assunto cidadania. “Deslizes” da juventude são absolutamente normais no passado, no presente e no futuro do ser humano mas existem “deslizes” e “deslizes” e a participação dos pais na formação do futuro cidadão neste momento é fundamental. Não quero que a juventude de hoje seja educada nos mesmos moldes da minha educação – há décadas – mas algum ,o básico, tem que ser mantido e não é o que estamos vendo hoje. O pai, e sempre repito, tem todo o direito, dever e a responsabilidade de defender os atos dos filhos mas com uma certa “parcialidade”. Não pode dizer que não tem culpa, que são crianças e que a Sirlei por ser mulher tem a pele mais sensível e uma “pequena agressãozinha” deixa marcas mais fortes. Bater em homens, de preferência pobres e fracos, é válido?. Diz um dos pais que são crianças e não podem ficar presos e a pergunta: se fossem filhos dos empregados e morassem na periferia podem ficar presos?. E o direito à cidadania de todos?. A violência é só a dos outros e principalmente de pretos e pobres?. Quando está dentro do carro com a família e xinga, ofende, desrespeita sinais não está dando o exemplo aos filhos, “às crianças”. Não estão aprendendo a lição dos pais?.

Abaixo um texto da psicanalista Anna Veronica Mautner para reflexão, publicado hoje na Folha.

ANÁLISE

Barbárie à vista?

ANNA VERONICA MAUTNER
COLUNISTA DA FOLHA

Os pais, como todos os adultos, são sim responsáveis pelas violências perpetradas por jovens, que ocorrem cada vez com maior freqüência.
Somos todos culpados ou pelo menos temos a ver com o que está ocorrendo. Deixamo-nos influenciar, sem reagir, pelos efeitos da difusão de uma psicanálise fora do contexto.
Se não estivéssemos imbuídos da idéia de que a origem do erro está lá atrás, na infância, como culpar pais, monitores, babás só por terem acreditado na falácia de que dor, desconforto, vergonha, humilhação etc. são sempre letais ao ego em formação e por isso devem ser evitados a qualquer preço?
O lema é: ninguém deve se ressentir de nada, muito menos seres em formação devem ser magoados. A conseqüência dessa ideologia de tortas raízes vai, passo a passo, gerando seres incapazes de empatia, incapazes de reconhecer o outro como seu semelhante.
Pouco familiarizados com dores, vão infligi-las, sem saber o quanto vai doer. Quero dizer que é preciso sentir que a vergonha, por exemplo, que me machuca, machuca ao outro também. Assim, se eu quiser, até posso humilhar alguém. Mas pelo menos sei o que estou fazendo. E posso calcular a intensidade que eu quero. Quando superpreservamos crianças e jovens de todo medo, de toda frustração, de qualquer fracasso, da humilhação e da vergonha, estamos impedindo que aprendam o quanto dói uma saudade, um fora, uma pancada.
Quando diante de alguém diferente, um outro, desconhecido, de outra galera, ignoramos o que eles têm de semelhante a nós, a agressividade e a violência encontram um campo fértil para aparecer. É aí, onde as pessoas se estranham, que aparecem vigorosos os maus colegas, o mau patrão, o mau chefe e o violento em geral.
Quando alguém se sente ameaçado, reage. É natural. O que surpreende é a discrepância entre estímulo e resposta. E mesmo que ele estranhe algumas coisas nesse outro, existem entre dois seres humanos mais semelhanças do que diferenças. A violência desabrocha onde as pessoas se estranham. Quando estranhamos, pomo-nos a espernear, a bater, para eliminar o ameaçador. A violência é sempre uma resposta ao medo do desconhecido. Quando se transforma em brincadeira, leviandade, estamos diante de uma patologia. Juntando que as novas gerações foram preservadas da maioria dos desconfortos naturais da vida, é natural que tenham muito mais medo de tudo o que é estranho, já que conhecem muito menos do que seria desejável.
Quem estranha muito tem muito medo e perde fácil a estribeira. Estamos a um passo da violência. Barbárie à vista?

ANNA VERONICA MAUTNER é psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e colunista da Folha

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