31 outubro 2007

Boa noticia

ELIO GASPARI

Dona Nair queria usar o banheiro do metrô

O pleito da "munícipe" não podia ser atendido, pois faltava "um empregado fixo no posto sanitário"

O TRANSPORTECA é um tipo especial de burocrata. Lida com os transportes públicos, mas não anda de metrô, ônibus ou trem. Para ele, o passageiro chega a ser um estorvo, pois congestiona a malha que tanto aprecia. O transporteca é capaz de confiscar descontos no metrô (São Paulo, 2005) ou de lançar cartão de fidelidade sem bônus (Rio, 2007). Ele sustenta uma briga de seis anos na Justiça para impor a exigência de carteirinha especial para cães-guias de cegos (São Paulo, 2000-2006). O patrono dessa espécie poderia ser o doutor Milton Zuanazzi, da Agência Nacional de Aviação Civil, caso entendesse alguma coisa do assunto, mas foi apenas um leigo articulando o caos.
Um transporteca tucano sustentou que o bilhete único, instituído pela prefeita Marta Suplicy em 2004, seria uma desgraça. Se desse certo, congestionaria a rede pública de transportes. Em outras palavras: se a patuléia usar os ônibus, a cidade se dana.
Com elevados padrões técnicos, o transporteca é capaz de contratar um tatuzão para cavar o buraco de uma linha de metrô subordinando-o à exigência de que seja novo. (Claro, havia um usado disponível no mercado internacional e custaria menos.) No mundo das necessidades cotidianas, ele é um animador do folclore da burocracia.
Um exemplo: em junho passado, o secretário Andrea Matarazzo, da Prefeitura de São Paulo, estava na estação Guaianazes do metrô quando dona Nair Souza Aguiar, uma simples cidadã, contou-lhe que um dos dois banheiros públicos vivia trancado. Matarazzo encaminhou a reclamação da senhora e, no dia 18, a gerência de operações de estações informou:
"A estação possui nos terminais Norte e Sul sanitário público masculino e feminino (...). Atualmente só os sanitários do Terminal Sul estão abertos ao público. Os sanitários do Terminal Norte estão sendo utilizados somente pelos empregados da empresa prestadora de serviços de segurança (Power) há mais de quatro anos, em razão da otimização de custos (energia elétrica, água, potes de limpeza e material domissanitário)."
"Lembramos que elaboramos, recentemente, minuta de resposta (...) ao possível atendimento a uma solicitação feita pelo consórcio Plus, para a abertura dos sanitários (...) desde que seja firmado um Termo de Permissão de Uso, obrigando a interessada [a empresa] a responsabilizar-se pela manutenção, higiene e conservação dos mesmos, além de algumas intervenções necessárias para permitir o uso comum com a empresa de prestação de serviços de segurança. Ainda assim, não seria possível o atendimento do pleito encaminhado pela munícipe srª Nair Souza Aguiar, pela dificuldade em disponibilizar um empregado fixo no posto sanitário."
A choldra pagou pela construção do banheiro, mas ele não poderia ser usado porque foi privatizado para a empresa de segurança. Trata-se de uma instalação bonita, confortável, que deve ter custado um bom dinheiro a gente como dona Nair. Construí-lo foi relativamente fácil, mas botar uma pessoa para cuidar do movimento seria coisa de grande dificuldade.
A boa notícia é que dona Nair ganhou a parada. Seu pleito acabou na mesa do presidente da Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos, Alvaro Armond, e o banheiro foi aberto na marra. Transformou-se num estudo de caso para ensinar aos transportecas como se deve trabalhar num serviço público.

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